A partir do golpe dezembrista, vitorioso em 5 de dezembro de 1917, surgiu o interregno sidonista, essa procura de uma república nova que, no plano eleitoral, tentou um presidencialismo assente tanto no sufrágio universal e direto como no alargamento do colégio eleitoral. O novo governo, instituído em 11 de dezembro de 1917, integrou três ministros unionistas, e dois centristas, do novo Partido Centrista Republicano, surgido a partir dos evolucionistas. Com a saída dos ministros unionistas em 3 de março de 1918, grande parte das forças apoiantes do dezembrismo criaram um Partido Nacional Republicano, em 30 de março, onde se integraram os centristas de Egas Moniz e os reformistas de Machado Santos.

Entre dezembro de 1917 e dezembro de 1918, a República Portuguesa vai viver sob o interregno do dezembrismo ou sidonismo que a si mesmo se qualificou como república nova, feita em torno do poder pessoal de Sidónio Pais, a quem Fernando Pessoa chegou a erguer à categoria de presidente-rei. A mudança começou a partir de 5 de dezembro de 1917, data de início de um movimento revolucionário liderado por uma junta de que fazia parte o próprio chefe dos revolucionários da Rotunda, Machado Santos, juntamente com Sidónio Pais e Feliciano Costa. No dia 8, o movimento já está vitorioso (uma centena de mortos) e, três dias depois, já constitui governo Sidónio Pais, um militar universitário, marcado por um inequívoco republicanismo, como o atestavam o facto de ser um ilustre maçon com um curriculum onde se destacava a circunstância de ter sido membro do primeiro governo do regime republicano.

Anunciada a vitória em 8 de dezembro, data em que Afonso Costa era preso no Porto, o novo poder começa por anular os castigos impostos aos bispos, dissolve o parlamento e manda libertar os indivíduos presos por estarem implicados no golpe de 16 de dezembro de 1916 (9 de dezembro). São reintegrados os saneados pela lei de 1915 (10 de dezembro) e é destituído o presidente da república (11 de dezembro). Em 27 de dezembro, já Sidónio acumulava as funções de presidente do ministério e de presidente da República. Cerca de uma década depois, no golpe o 28 de maio de 1926, os principais conspiradores voltarão a ser republicanos e maçons e entre as cabeças da movimentação voltará a destacar-se outro dos revolucionários do 5 de outubro de 1910, o Almirante Cabeçadas. Curiosamente, tanto em dezembro de 1917 como em maio de 1926, será destituído o mesmo Presidente da República institucional, Bernardino Machado, outro ilustre maçon que acrescentava ao curriculum a circunstância de ter sido ministro da monarquia, pelo partido regenerador. O interregno será interrompido em 14 de dezembro de 1918, com o assassinato de Sidónio Pais na Estação do Rossio, em Lisboa. Já no dia 6 houvera uma outra tentativa de assassinato, que não impediu o garboso político de continuar os banhos de multidão. Em 14 de dezembro, assumia o poder o até então Secretário de Estado da Marinha, o Almirante Canto e Castro, conhecido pelas suas convicções monárquicas.

Eleito Presidente da República no dia 16, com o apoio dos unionistas, será ele a encabeçar a transição para o regresso à república velha e a ter de jugular as revoltas monárquicas de janeiro de 1919, desde a revolta de Monsanto em Lisboa, à Traulitânia do Norte, esta encabeçada pelo brioso Paiva Couceiro. Assim, por decretos de 11 e 30 de março, o sidonismo tratou de instituir o regime do sufrágio universal, alargando o direito de voto a analfabetos e a oficiais, sargentos e equiparados das forças armadas. O colégio eleitoral passou de 471 557 recenseados para cerca de 900 000 e nas eleições de 28 de abril chegou a atingir-se o nível dos 513 958 votantes. Com efeito, no dia 28 de abril de 1918 realizaram-se tanto as eleições para Presidente da República como as eleições legislativas. Nas primeiras, Sidónio Pais apresentou-se como o único candidato, e nas segundas triunfou o partido sidonista, com 108 deputados, contra 37 monárquicos, 5 independentes e outros tantos católicos.

A Câmara dos Deputados sidonista era composta por 155 deputados eleitos por círculos, predominando o sistema da lista incompleta, dado que cerca de um terço dos mandatos era para a representação das minorias. Havia 77 senadores, dos quais 28 provinham de agremiações socioprofissionais. 49 destinavam-se ao eleitorado comum e 9 ficavam reservados para as minorias. O interregno tentou institucionalizar um regime híbrido, um isto… já não é República porque lhe falta Afonso Costa, mas que ainda não é monarquia porque lhe falta o Rei, conforme palavras de Alfredo Pimenta, numa conferência que em 26 de fevereiro de 1918 proferiu na Liga Naval. Em primeiro lugar, importa recordar que, nesse período, Portugal, além de estar em guerra, sofria as consequências da fome, a então dita questão das subsistências, e da peste, principalmente por causa da epidemia da pneumónica.

A própria exaltação messiânica e as relações com o transcendente estavam marcadas pelas consequências das aparições de Fátima, onde o último episódio havia ocorrido três meses antes do golpe dezembrista. Durante o ano de 1918 viveram-se alguns dos picos dramáticos da nossa participação bélica, desde a derrota na batalha de La Lys (9 de abril) ao torpedeamento da Augusto Castilho (14 de outubro), um pouco antes de ser assinado o armistício (11 de Novembro). Infelizmente, os dolorosos investimentos humanos da nossa participação na Flandres foram prejudicados pela imagem germanófila com que os adversários marcaram o grupo de Sidónio, o que prejudicou a nossa participação na conferência de paz. Saliente-se que, depois de em 21 de março os alemães iniciarem uma ofensiva, os ingleses recuaram cerca de 60 km, mandando o CEP para a frente. Na batalha de La Lys morreram 7 098 praças e 327 oficiais, cerca de 35% dos nossos efetivos na Flandres.

A partir de então houve sucessivas recusas de participação na frente e os nossos soldado, assim humilhados, serviram de mão-de-obra para abertura de trincheiras, ao serviço dos britânicos. No plano da política doméstica, o dezembrismo tentou resolver o conflito entre o Estado e a Igreja Católica. Aliás, a primeira medida tomada pelo novo regime foi a da anulação dos castigos impostos aos bispos (9 de dezembro de 1917). Seguiu-se o reatamento das relações com a Santa Sé (27 de junho de 1918). Institucionalmente, o dezembrismo tentou inaugurar um novo regime institucional, marcado pelo presidencialismo, assente no sufrágio direto e universal e no alargamento do próprio colégio eleitoral. Com efeito, Sidónio Pais não pode ser configurado como um mero ditador precursor do salazarismo ou continuador de João Franco. Como o qualificou Raul Brandão, ele teve metade de príncipe e metade de condottiere. Foi a força de um momento que o levou ao alto. Apenas passou como um relâmpago e não deixou vestígios, porque tal força se não era fictício, desapareceu ao primeiro sopro… teve a existência que têm sempre os homens que procuram conciliar forças adversas. Duram um momento. Desaparecem num momento. Ele foi sem dúvida o homem que respondeu às circunstâncias.

A anterior república, marcada pela partidocracia de uma força dominante, temia o diálogo direto com a massa da população. Sidónio assumiu o diálogo direto com o povo, ensaiou banhos de multidão, teve rasgos de generosidade e recebeu um apoio emocionalmente sentido por um povo cansado de políticos, fechados sobre o seu próprio clube partidário ou parlamentar. Surgiu assim o primeiro presidente da república eleito diretamente por sufrágio universal, alcançando uma legitimidade profundamente sentida e popularizando a República pela primeira vez. Pressentiu também a necessidade de um intervencionismo estadual no plano social e económico lançando as bases de um Estado-Providência. Logo em 9 de março criou-se uma nova estrutura governamental, onde o velho ministério do fomento, donde já se tinha destacado uma estrutura dedicada ao trabalho, deu lugar, por um lado, a um ministério da agricultura e, por outro, a um ministério das subsistências e dos transportes. Seguiu-se a criação de um Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral (10 de maio) e lançaram-se mesmo as bases da intervenção imediata, com a criação da sopa dos pobres, que ainda hoje funciona com o nome de sopa do Sidónio, e a instituição das senhas de racionamento, logo em setembro. O presidencialismo alterou mesmo a estrutura do governo, dado que em 15 de maio os próprios ministérios foram substituídas por secretarias de Estado, presididas pelo próprio presidente da república, entretanto já eleito em 28 de abril. Não se pense, contudo, que o modelo nasceu num país vivendo em normalidade institucional.

A revolução dezembrista foi a sangrenta, fazendo cerca de uma centena de mortes e de quinhentos feridos, enquanto a instabilidade golpista continuou a manifestar-se. Logo em 8 de janeiro de 1918, a revolta dos marinheiros; no Verão uma greve dos ferroviários, precedendo um ensaio de greve geral em novembro; em setembro, uma revolta militar em Lamego; e em outubro, novas movimentações revoltosas em Lisboa, Porto e Évora. A resposta do poder estabelecido nunca foi branda e assumiu mesmo alguns contornos de terrorismo de Estado, sendo marcada pela chamada Leva da Morte, de 16 de outubro, quando num transporte de presos golpistas, na baixa lisboeta, sete deles foram assassinados, entre os quais se incluiu o aristocrata republicano Ribeira Brava.

Mas Sidónio nunca deixou de procurar acalmar os ânimos. No dia 18 de maio, em visita ao Porto, libertou pessoalmente os revoltosos detidos que se queixavam das tradicionais violências policiais. No plano partidário, o sidonismo, depois de perder o apoio político dos unionistas (em 7 de março, os ministros do grupo de Brito Camacho abandonaram o governo e, no congresso de 8 de abril criticaram violentamente o estado de coisas, decidindo não apresentar-se às eleições) tentou estruturar-se pela criação o Partido Nacional Republicano (30 de março de 1918), onde se integraram os centristas de Egas Moniz e os reformistas de Machado Santos. O partido, que teve como órgãos de apoio A Luta e A Situação, ainda sobreviveu depois da morte de Sidónio, sob a designação de Partido Nacional Republicano Presidencialista, tendo concorrido às eleições legislativas de 1921 e 1922, antes de se fundir, em 1925, com o Partido Nacionalista.

Outro movimento político nascido na altura foi a Cruzada Nuno Álvares, fundada em 18 de julho, sob a inspiração do Professor da Faculdade de Direito de Lisboa, Martinho Nobre de Melo. Esboçou-se, inclusive, uma revista, a Pela Grei – Revista para o Ressurgimento Nacional pela Formação e Intervenção de Uma Opinião Pública Consciente, fundada em princípios de 1918, de que saíram sete números, até 20 de maio de 1919. Dirigida por António Sérgio e contando com a colaboração de Ezequiel de Campos e Raúl Proença, era órgão de uma Liga de Acção Nacional que tinha como Presidente o reitor da Universidade de Lisboa, Pedro José da Cunha, e como secretários-gerais Reis Santos e António Sérgio, tendo, entre os fundadores, os professores Ruy Enes Ulrich e Francisco António Correia. Excluir a lei e a prática eleitoral do sidonismo da vida da I República, configurando o processo como um pré-28 de maio ou um protofascismo pode constituir excelente literatura de justificação, mas impede que se assinale uma efetiva experiência de sufrágio universal e a primeira eleição de um chefe de Estado por sufrágio direto e também universal. Julgamos que o antigo ministro dos primeiros governos do regime, juntamente com os ilustres republicanos que o apoiaram, de Machado Santos a Egas Moniz apenas criaram a hipótese de um modelo de presidencialismo democrático que, se tem o vício da personalização do poder, nem por isso deixa de ser democrático, como o têm demonstrado as experiências da V República francesa, com Charles de Gaulle e Mitterrand e, como, de certa maneira, o tentou praticar Ramalho Eanes, nas nossas experiências de institucionalização pós-revolucionária da democracia. Acresce que a participação de adversários do regime na vida parlamentar, longe de destruir as instituições, poderia vivificá-las.

Ligar a experiência sidonista ao 28 de maio corresponde a uma verdade, se distinguirmos o 28 de maio do salazarismo e se recordarmos que uma das primeiras oposições ao salazarismo veio dos generais do movimento, nomeadamente de Vicente de Freitas. O regresso à república velha e a eleições de 1919 O regime foi destruído com o assassinato do presidente-rei em 14 de dezembro de 1918. Seguiu-se a eleição de um novo Presidente da República, em colégio eleitoral, no dia 16 de dezembro, recaindo a escolha no almirante Canto e Castro, um monárquico sidonista, apoiado pelos unionistas. Instituiu-se também o último governo sidonista, sob a presidência de Tamagnini Barbosa, a partir de 23 de dezembro. O governo vive a pressão das juntas militares monárquicas e da pressão das forças político-militares republicanas. Faz a sua apresentação parlamentar em 8 de janeiro, sendo criticado por Cunha Leal e Machado Santos, mas eclodem movimentos revolucionários em Lisboa, Covilhã e Santarém, sob o comando de uma junta revolucionária constituída por Álvaro de Castro, Francisco Couceiro da Costa, António Granjo, Jaime de Morais, Augusto Dias da Silva e Cunha Leal. Em 18 de janeiro começava a conferência de paz de Versalhes, estando Portugal representado por Egas Moniz. Em 19 de janeiro, Paiva Couceiro restaura a monarquia no Porto e em 23 de janeiro dá-se a revolta monárquica de Monsanto em Lisboa. Continuou a funcionar a Câmara dos Deputados eleita em 28 de abril de 1918, mas fervilharam as juntas militares revolucionárias que prenunciam os fins do modelo, acelerado pelo processo de restauração da monarquia no Porto, a partir de 19 de janeiro de 1919, a que se seguiu uma revolta monárquica em Lisboa, a partir de 23 de janeiro.

Os novos poderes do sidonismo optaram pela fidelidade à república, acabando por compartilhar o governo com representantes da república velha. Assim, em 27 de janeiro e até 30 de março, emergiu um governo presidido por José Relvas, misturando democráticos, evolucionistas, unionistas, socialistas e sidonistas, durante a vigência do qual se restabeleceu a plena vigência da Constituição de 1911 e se liquidaram as sedições monárquicas. Em 19 de fevereiro já se dissolviam as Câmaras sidonistas e se convocavam as eleições para 13 de abril. O novo governo começa por juntar representantes de todos os partidos, incluindo dos próprios sidonistas (na justiça, estrangeiros, comércio e colónias), cujo parlamento se manteve até 19 de fevereiro, data em que se regressou formalmente à plena vigência da Constituição de 1911. Augusto Dias da Silva, socialista, no trabalho. Pretendia-se um gabinete de concentração republicana. No ato de apresentação parlamentar, em 4 de fevereiro, o gabinete proclamava que era de todos os partidos, não tem partido algum, o seu partido é a república. Chama-lhe o ministério da desforra. As tropas republicanas são comandadas pelo general Alberto Ilharco. Em 11 de fevereiro Abel Hipólito conquista Estarreja aos monárquicos. Só no dia 13 se punha fim à Traulitânia, principalmente pela ação de Sarmento Pimentel. No dia 17 caía Vila Real. No dia 19 de fevereiro de 1919 dava-se a dissolução do parlamento sidonista, anunciando-se o regresso à chamada república velha. As eleições eram convocadas para 13 de abril. No dia 12 de março já Afonso Costa substituía Egas Moniz na conferência de paz, pouco tempo depois de ter saído o primeiro número do jornal anarco-sindicalista A Batalha (23 de fevereiro). Teixeira Gomes era nomeado ministro de Portugal em Madrid (11 de março).

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