Governo de Costa Cabral

1849 – 1851

SOBRE

manuel alegre

Desde 18 de junho de 1849 a 27 de abril de 1851 (683 dias). 4º e último governo da restauração da Carta.

  • Presidente acumula a presidência e o reino[3];

  • Nos negócios eclesiásticos e justiça, Félix Pereira de Magalhães;
  • Na fazenda, António José de Àvila, então juiz do Supremo Tribunal Administrativo;
  • Na guerra, o major Adriano Maurício Guilherme FerrEri;
  • Na marinha e ultramar, o visconde de Castelões, Flórido RodriguesPereira Forjaz;
  • Nos estrangeiros, o conde do Tojal.

Tudo se agravou, quando, a partir de 18 de junho de 1849, surgiu novo governo, já sob a presidência do próprio Costa Cabral. Este, desde que regressara do exílio constituíra um centro cartista, mas em 24 de outubro de 1849, viu surgir um manifesto do chamado partido nacional, reunindo cartistas anti-cabralistas e setembristas.

Como salienta Oliveira Martins, Costa Cabral, o conde de Tomar, era mais do que um homem: era um sistema e um fantasma. No ódio com que o recebiam mostravam-lhe quanto ele valia, pelo medo que lhe tinham[1].

Em 16 de julho de 1849 estavam previstas eleições para o Grande Oriente Lusitano. Grupo cabralista apresenta a candidatura de João Rebelo da Costa Cabral. Cerca de uma centena destes cabralistas maçónicos ocupa violentamente o local onde se reunia a Grande Dieta e elege Euletério Francisco de Castelo Branco até 30 de novembro de 1850. Nesta data, em novas eleições, surge como grão-mestre José Bernardo da Costa Cabral que, então, estava em rutura tanto com António Bernardo como com João Rebelo.

O grupo de Moura Coutinho, do visconde da Oliveira e do conde da Cunha constitui o Grande Oriente de Portugal. Até 13 de julho de 1853, o grupo é comandado pelo visconde da Oliveira. Sucedeu-lhe Moura Coutinho, desde 31 de março de 1854.

Em 24 de outubro de 1849, emitido manifesto de um partido nacional unindo cartistas e setembristas. Grande campanha na imprensa contra o governo. Ataques ad hominem, considerado concussionário e corrupto. O caso da caleche dada por Frescata que dera a caleche em troca de uma comenda. Em 12 de janeiro de 1850, o Morning Post, onde pontificam miguelistas, fala na riqueza dos palácios de Costa Cabral. Insinuam-se relações imorais entre Costa Cabral e D. Maria II. Cabral processa o jornal nos tribunais ingleses.

Nova fornada de pares em 15 de dezembro de 1850. A terceira concedida a Cabral. O governo passava a ter 53 pares em pouco mais de cem.

Em 1 de fevereiro de 1850, é apresentada a proposta de Lei das rolhas. Em 18 de fevereiro, surge um manifesto público contra a lei das rolhas, subscrito por Garrett, Herculano, Latino Coelho e Lopes de Mendonça, em nome da liberdade de pensamento. A lei é aprovada em 3 de agosto.

Conde de Lavradio na CP acusa Cabral de criminoso de lesa magestade. Saldanha apoia Lavradio.

Em 7 de fevereiro de 1850, Saldanha entra em conflito com Cabral e é demitido de mordomo-mor da casa real, conselheiro de Estado, vogal do Supremo tribunal de Justiça Militar e de primeiro ajudante de campo de D. Fernando.

Por carta de lei de 16 de abril de 1850, referendada por António José de Ávila, era confirmada a criação do Banco de Portugal, cuja designação surgira no artigo 9º do decereto de 17 de novembro de 1846, quando os ativos e passivos da Companhia de Confiança Nacional se incorporaram no Banco de Lisboa (era então ministro da fazenda o visconde de Algés, José Maria de Sousa Azevedo).

Em janeiro de 1851, novo caso, o chamado escândalo do Alfeite. Acusa-se a casa real de ter arrendado uma propriedade a Costa Cabral por 99 anos com renda irrisória.

Em 29 de janeiro de 1851, nova lei eleitoral[2].

A conspiração de Saldanha desencadeia-se a partir de 7 de abril, quando o marechal sai de Lisboa com os caçadores 1. O movimento acaba por não resultar e Saldanha tem de fugir para a Galiza.

Em 9 de abril de 1851, as cortes são adiadas por 54 dias, até 2 de junho de 1851.

No dia 29 de abril, já o movimento está vitorioso no Porto. Houve uma revolta com o apoio dos irmãos Passos, J. Vitorino Damásio, Salvador da França e Faria Guimarães. Vão buscar Saldanha a Lobios, na Galiza. As tropas governamentais, sob o comando de D. Fernando revoltam-se em Coimbra. O marechal, em circular dirigida aos governadores civis, diz querer acabar com o funesto sistema de patronato e conceção e fala num grito nacional. Costa Cabral embarca para Vigo e trata de reocupar o posto de embaixador em Madrid.

Como observará Alexandre Herculano, a desonestidade era tão indecente que mais de metade das sessões parlamentares eram passadas a discutir os escândalos do comportamento dos ministros[4].

Outra das consequências do cabralismo está nas sucessivas cisões maçónicas. Do Grande Oriente Lusitano destaca-se o grupo cabralista da Grande Loja Portuguesa, enquanto os anti-cabralistas, com Moura Coutinho, formam o Grande Oriente de Portugal. Também em 26 de dezembro de 1849, os restos da Maçonaria do Sul, juntamente com antigos membros do Grande Oriente Lusitano, constituem a Confederação Maçónica Portuguesa. Pina Cabral será grão-mestre desta até 1851.

O primeiro liberalismo

O balanço liberdadeiro da primeira metade do nosso século XIX é francamente negativo. Entre ocupações e proteções estrangeiras (de 1806 e 1820) vamos ter variadas experiências constitucionais – o texto de 1822 vai vigorar cerca de meio ano, até à Vilafrancada e depois, entre 1836 e 1838; a constituição histórica entre 1823 e 1826 e entre 1828 e 1834; a Carta Constitucional entre 1826-1828, 1834-1836 e, de novo, a partir de 1842; a Constituição do setembrismo, entre 1838 e 1842. Não faltam sequer as horrorosas guerras civis de 1828-1834 e de 1846-1847. E não deixámos de ter experiências ditatoriais dos mais diversos signos, da ditadura plebeia e do terrorismo de Estado do miguelismo à ditadura do guerreiro e reformador D. Pedro, passando pelas ditaduras do setembrismo, regeneradora, e do cabralismo, restauradora. Acrescentem-se as humilhações sofridas pela nossa pequenez face a uma balança da Europa onde vigorava a hierarquia das potências. E, last but not the least a traumática separação do Brasil, essa reprodução do reino em terras de além-mar, levada a cabo pelos portugueses do outro lado do Atlântico com a liderança do próprio sucessor ao trono de Portugal.

As sucessivas experiências de modelos eleitorais, do vintismo ao cartismo, para regressarmos ao vintismo, experimentarmos o modelo da Constituição de 1838 e voltarmos finalmente ao cartismo, levaram a que as eleições fossem sempre marcadas por climas de violência, com deputados a emergir de listas que nada tinham a ver com a opinião pública e até com os mínimos de representatividade política. Aliás, ainda nem existiam partidos propriamente ditos, mas facções flutuantes e quase sempre apoiadas pela força armada.

Quem vencia, vencia sempre no interior das disputas ocorridas na camada dos vencedores, pressupondo que a metade do país vencida tinha de continuar sujeita ao silêncio, quando não ao confisco e ao saneamento, pelo que os governos foram sempre minoritários face à comunidade donde deveriam emergir, segundo os conceitos vigentes de representação política. Por outras palavras, tanto não funcionava a representação quantitativa como não podia vislumbrar-se a própria representação qualitativa, dado que os detentores do mandato de deputado nem sequer eram os melhores, a valentior pars.

A má relação estabelecida entre os portugueses e a representação política, antes do movimento da regeneração, contribui para que muitos dos nossos melhores intelectuais desconfiassem do demo-liberalismo. Aliás, os ideais da liberté, egalité et fraternité haviam-nos chegado através de uma invasão militar estrangeira, levando ao paradoxo do liberal ter começado por conformar-se como colaboracionista, ao mesmo tempo que o reacionário se assumia como o libertacionista. Confusões que só um longo parto teórico e uma efetiva prática de tolerância irão superar.

Neste sentido, as eleições demo-liberais dessa primeira metade do século XIX pouca diferença faziam das formas de escolha dos representantes do braço popular às Cortes Gerais de 1828 que acabaram por eleger D. Miguel como rei de Portugal. Apenas valiam as boas intenções liberais, mas destas estava o inferno cheio…

[1] II, p. 215.

[2] António Ribeiro dos Santos, p. 169; Pinheiro Chagas, 11º, pp. 472-473; 539-545; 550-552; Colen, II, pp. 355-360; Oliveira Martins, II, pp. 219-226.

[3] António Bernardo esteve doente de 7 de agosto a 23 de setembro de 1850, sendo substituído interinamente na pasta do reino por Félix Pereira Magalhães. Este voltou à interinidade da pasta do reino de 26 de abril a 1 de maio de 1851.

[4] Opúsculos,  I, 1983, p. 154.

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